quarta-feira, 13 de julho de 2011

“ALEGRIA COMPARTILHADA” RELEASE 2011 POR ALEXANDRE MATIAS


O que há num nome? “Forfun”, à primeira vista, parece adolescente e efêmero, “para diversão”, uma tagline redundante para rotular uma banda carioca que passeava pelas praias do hardcore californiano. O termo também poderia ser entendido quase como uma paródia de bandas que fazem sucesso graças à web, um nome genérico em inglês que poderia ter sido inventado pelo South Park ou pelo Alan Sieber, com ironia escorrendo pelos cantos da boca. Olhado à distância, o Forfun parece ser só isso. Mas todo átomo esconde um universo.

E todo universo vive em expansão. Há uma transformação constante que vem acontecendo na carreira da banda que não é só fruto de uma única mudança, a brusca guinada que foi o segundo disco -, Polisenso, que já tinha sido um salto desde os tempos em que ser descoberta e produzida pelo produtor Liminha era um dos grandes diferenciais da banda dentro de uma nova cena que apareceu no início dos anos 00, os emos. Foi a partir de Polisenso que o grupo passou a mexer-se para longe da pura diversão que parecia ser seu lema desde o início. “Éramos moleques com 18 anos cantando as aventuras adolescentes, cotidiano praiano e outros temas hoje superficiais, mas que na época eram extremamente sinceros”, lembra Vítor Isensee, guitarrista e tecladista da banda, lembrando da época em que lançaram seu primeiro disco, Teoria Dinâmica Gastativa, em 2004.

“Com o tempo, fomos abrindo a porta para outras influências e no segundo disco começamos a misturar quatro estilos – reggae, funk, rock e rap -, enquanto as letras abordavam um lado mais espiritual”, continua o guitarrista e vocalista Danilo Cutrim. “O primeiro disco tinha muito punk rock, mas no segundo começamos a misturar mais coisas diferentes”, completa o baixista e também vocalista Rodrigo Costa. O timbre vocal dos três instrumentistas, muito parecidos, talvez seja a principal assinatura musical do grupo.

Polisenso foi uma guinada radical para a sonoridade e estética do grupo. Para o terceiro disco, o desafio seria levar essa evolução para outro patamar. Mas em vez de partir para a esquizofrenia sonora de vez, resolveram lapidá-la. E para isso chamaram um dos nomes mais importantes na atual produção brasileira, o paulistano Daniel Ganjaman. Integrante do coletivo Instituto, ele é o responsável por ter lançado as carreiras dos rappers Sabotage e Criolo para um público maior, além de ter produzido trabalhos de nomes tão diferentes como Mano Brown, Forgotten Boys, Curumin e tocado ao lado do Planet Hemp e na banda de Otto. E, como se não bastasse, é um tecladista e vocalista de primeira. Com trânsito em todas as alas da atual música pop nacional, Ganjaman era o nome ideal para expandir ainda mais o horizonte da banda, mas sem que ela se perdesse em divagações vazias ou maluquices sem rumo.

Mas mesmo com a presença inconfundível de Ganjaman, o novo trabalho só poderia ser da banda carioca – e é mais que uma continuação de Polisenso, mas uma depuração. Alegria Compartilhada, portanto, abre com a faixa que o batiza e que já começa a misturar as referências básicas do grupo, novidade no disco anterior, umas com as outras – num reggae metal com arranjo com toques de soul. “Quem Vai, Vai” segue pela mesma trilha e começa a realçar as referências brasileiras com o riff de samba rock e o naipe de metais ainda na introdução. As duas primeiras faixas explicitam os pilares que seguram o álbum – um reggae pesado e a música brasileira, ambos envoltos por arranjos com timbres de black music e texturas eletrônicas. “A Garça” reúne essas duas colunas centrais ao descrever um Rio de Janeiro sem juízo de valores, usando os olhos do pássaro para apenas registrar o comportamento humano.



A partir de “Cosmic Jesus” essas referências começam a se misturar cada vez mais, e não apenas em uma música ou outra, mas também dentro da mesma música. As letras também perdem o aspecto contemplativo e espiritual e partem para uma psicodelia de ficção científica parente das letras de Chico Science, que usa termos científicos ou técnicos para descrever paisagens naturais: “O reino vegetal já coloria a ciclovia / Inspirando e exalando a pulsação da massa / E lúcido diante da rica topografia / Sentiu a teia viva entrelaçada pela graça”, canta a letra antes do rapper Black Alien entrar e expandir ainda mais os limites do disco.

“Descendo o Rio” baixa a bola e põe os pés no chão numa balada que faz a ponte entre Lulu Santos e Skank, mas “Tropicália Digital” retoma a expansão de “Cosmic Jesus” enfileirando rótulos de um novo tropocalismo, que entra de chinelos no século XXI. “Cada um com seu cada um, cada macaco no seu galho / Unidade coletiva, ”way of life” solidário / Mutatis Mutandis, rapaziada tá voando / Depois da chuveirada fico aqui elocubrando / Sobre a vida, sobre a morte, sobre a conta no vermelho / As profundezas do espaço, e quem enxergo no espelho / Metáfora nenhuma explicará”, canta Vitor numa letra que ainda cita tsunami, Wikileaks, Rivotril, rolimã, arquipélagos e o olho de Thundera sobre uma base que é descendente direta do disco “BloodSugarSexMagik”, do Red Hot Chili Peppers e sampleia tanto “Alalaô” quanto o engraxate doidão que foi hit no YouTube ao responder, após perguntado sobre drogas, que “quem gosta, gosta, quem não gosta, curte”.

“Dissolver e Recompor” traz de novo o disco para a superfície do planeta, num reggae que interliga tarefas domésticas com o sentido da vida. “Largo dos Leões” é um achado – um reggae tradicional com forte influência do dub e do samba que celebra a cultura dos blocos de carnaval no Rio de Janeiro, citando-os um a um, numa música que pode entrar no imaginário carioca justamente por trazer a lembrança dessa época para o resto do ano. “Minha Jóia” segue pela Jamaica numa bela balada de amor.




“Passados 10 anos de banda e com todos os quatro se aproximando dos 30 anos, acredito que esse disco apresenta a leveza de quem não se preocupa com a ruptura de conceitos pré estabelecidos, como se propunha intuitivamente nosso trabalho anterior. Mas, ao mesmo tempo, também apresenta com naturalidade a maturidade de quatro adultos que têm mais clareza daquilo que são e daquilo que buscam ser”, emenda o baterista Nicolas Christ.

“Essa leveza observa-se tanto nas letras, que flertam com a beleza das pequenas coisas do cotidiano, como a vida de uma garça ou como uma faxina na casa que reflete uma faxina na vida, quanto no ritmo, melodia e harmonia. O disco é bastante dançante com influências que variam de Jorge Ben a Sade. Vale ressaltar que é um disco com maiores pitadas de brasilidade”, continua o baterista, o único dos quatro a encarar a câmera, na foto do grupo no encarte do disco, que é ilustrado, assim como a capa, pela artista plástica Nelma Guimarães, cuja psicodelia naïf se encaixa feito uma luva na sonoridade do grupo – colorido e tribal, caleidoscópico e roots. Adjetivos que se encaixam também em uma das faixas centrais do disco, a transcendente “A Morada”, que equilibra os lados espiritual e rotineiro da banda em uma bucólica balada de rock progressivo.

O clima volta a ficar para cima quase no fim do disco. “Quando a Alma Transborda” volta à tropicália digital do Jesus Cósmico em um andamento quebrado de uma faixa que funde timbres e remonta aos clássicos do funk metal do início dos anos 90 – Faith No More é uma referência instantânea, mas com o filtro bem abrasileirado. A música cita nomes que delimitam intelectualmente o grupo: Yuri Gagarin, Chico Science, Tom Jobim, Santos Dumont, Lévi-Strauss, Maradona, Mandela, Neruda, Milton Santos. “Pra Sempre” encerra Alegria Compartilhada em tom de oração – mas uma oração forfun, que mistura psicodelia e espiritualidade na medida em que a pulsação da música cresce.




Alegria Compartilhada, como o disco anterior, foi liberado para download antes que o CD sequer tivesse chegado da fábrica. A inestimável presença online do grupo garantiu que mais de 100 mil pessoas conseguissem tirar o site da banda do ar, no final de abril, e a apreensão dos fãs em relação ao disco fez que o nome do álbum se tornasse trending topic no Twitter nacional por quase quatro dias seguidos. Em menos de um mês, foram 200 mil downloads, uma média que pode superar rapidamente a de vezes que foi baixado o disco anterior, 800 mil em dois anos e meio. E a reação dos fãs em relação ao disco foi instantânea, como se o grupo tivesse mesmo fisgado um nervo do zeitgeist mundial que passa pelo Brasil, com um ponto central no Rio de Janeiro.

É nessa onda de energia que o Forfun hoje surfa. Com fãs empolgados o suficiente para dar-lhes o aval para mostrar o rumo, os quatro cariocas abandonam a diversão pura e simples, rápida e passageira para incluí-la dentro de uma sensação que harmoniza paz e, claro, alegria. E assim o nome do grupo ganha um sentido ainda mais amplo. E duradouro.

Alexandre Matias


FONTE





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